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CRÔNICA: O VAGALUME ME ACENDEU

 


0 vagalume que me acendeu

Hoje pela manhã, andando pela rua, percebi debaixo de algumas árvores um beija-flor a dar investidas contra um   João-de-barro. Um pássaro quatro ou cinco vezes maior que o Beija-flor. Eu poderia lhe atribuir muita coragem pelo feito, mas vai saber o que aconteceu para provocar esse impulso num pássaro rápido, porém bem pequeno. O João-de-barro também não tem fama de agressivo, porém o beija-flor azulão, demonstra ser territorialista. Esses acontecimentos reparados trazem um prazer enorme. São quase uma meditação.

A vida quando vivida sem pressa nos presenteia com observações que chegam a ser divinas. Gosto de fazer caminhadas pelas ruas não só do meu bairro, às vezes ando por bairros próximos também, estendendo mais o tempo. Faço isso como atividade física e também como forma de meditação; oportunidade de ficar distante das tecnologias e apenas na companhia dos meus pensamentos. Aproveitando os estímulos visuais e auditivos pelo caminho.

Quando me permito desfrutar desse tempo com meus pensamentos, no final sempre trago novas informações. Por meio das coisas que observo pelo caminho que desencadearam sempre algum sentimento. Nem que tenha sido um dissabor provocado pelo comportamento humano, ou grandioso prazer, oriundo de um acontecimento envolvendo seres da natureza no meio que compartilhamos como foi o caso do beija-flor e o João-de-barro.

O que na verdade me entristece entre as coisas que vejo durante minha caminhada matinal são situações nítidas de falta de conscientização expressas por pessoas da sociedade   incapazes ainda, de perceber o quanto de coisas erradas cometem por puro egoísmo.

Muito fácil de se perceber é  aquele lixo deixado, esquecido ou mesmo jogado em locais públicos na qual encontro uma diversidade deles entre  peças grandes e minúsculas. Geralmente próximas a grandiosas sombras de árvores ou locais que durante a noite ficam entre a penumbra e segurança de um bico de luz indireta.

 O engraçado é que esses lixos diversos não chegam ali sozinhos e nem tão pouco a pé. Chegam sempre sobre quatro ou duas rodas e um motor. 

Vejo descartados desde tubetes coloridos de drogas ilícitas, embalagens de lanches de marcas famosas, garrafas e descartes relacionados aos prazeres do sexo.

A única coisa que não encontro é consciência presente nessas pessoas que conseguem deixar por onde passam, a sua própria produção de lixo. Sendo que bastaria deixar dentro do veículo. Se usufruíram do aplausível local   para seus arroubos de prazer ou piquenique,  o que os impede de carregarem consigo as provas do acontecido por ali? 

Não cabe julgamentos, todavia deixar o lixo jogado pela rua não é nem nunca será uma atitude legal. Agora chega ser criminoso quando o morador sai de sua casa carregando resíduos de sua reforma em casa e vai até uma praça à noite e descarrega próximos a guia da calçada os cacos de piso, cimento etc. Dá as costas e vai de volta a sua casa com a mesma cara de pau. Isso pra mim é crime!

Nessas caminhadas acontecem coisas muito lindas também.  Pois,  é lindo ver o amor sair para passear. E como o amor nunca anda sozinho, eu o encontro expressado nos donos de pets carregando seus cães para dar uma caminhada. O velho pai idoso sendo conduzido pelo filho para tomar sol e caminhar em segurança. Mas, encontro também exatamente o oposto: um filho   bebê sendo empurrado pela mãe num carrinho para contemplar a natureza que o espera de braços abertos.

É lindo ver a vida por esse ângulo, um dia somos nós que mostramos as novidades depois somos conduzidos por nossos filhos durante o avanço de nossa longevidade. Primeiro nossos pais nos embalam para a vida, depois nós os apoiamos até o fim de sua vida. Ninguém explica essa coisa mais linda. A se modificando e voltando ao princípio, ou quase isso.

É claro que quando a gente gosta a gente cuida, já dizia Caetano Veloso em sua música Sozinho. Por isso reflito seguido sobre nosso comportamento com as coisas. A utilidade tem sempre um limite, nada serve pra tudo nem pra sempre.

O cair da noite onde moro, entre o rural e a urbanização há espaços puros de natureza ainda intocada pelo homem moderno. E por causa disso, os vagalumes que na minha infância eram vistos seguidamente, hoje já é raro.

Porém hoje fui surpreendida com uma alegria absurda ao ver uma luz que piscava movimentando-se entre folhagens no quintal, quando fui no escuro, buscar algumas folhas de boldo para me fazer um chá.

Porém, me comportei como a criança que já fui. Que viveu naquele tempo em que havia muitos vagalumes piscando assim que a noite caía. Persegui o inseto por um bom tempo, até que não me contive e peguei o vagalume e colocando-o entre as palmas de minhas mãos formei uma luminária. Que ressaltava com a iluminação provocada pelo inseto, o rosado de minha pele.

Que instantes maravilhosos vivi. Acredito que se existisse viagem no tempo, eu teria voltado no tempo. Voltado lá em minha pré-adolescência. Cheguei ouvir a voz de minha mãe chamando para entrar, pois já não era mais hora de criança estar na rua. Coisa boa desconectar da realidade puxados por uma lembrança boa. Nos faz um carinho no presente.

Caro leitor você lembra das folhas de boldo que me levaram até o quintal  quando acabei por encontrar o vagalume? Pois é, eu acabei esquecendo do mal estar digestivo que estava sentindo. E voltei animada para dentro de casa louca de vontade de contar sobre o advento do vagalume daquela noite.  

Agora me entendendo como adulta que compreende os fatores que fazem com que seja raro encontrá-los hoje facilmente na natureza, eu não o aprisionei em uma Caixa de fósforos para iluminar meu quarto antes de dormir, como fazia quando criança.

Já a vida moderna é agitada demais. Perceba que quando nos deparamos   esperando a vez numa fila por exemplo, presos no trânsito ou por qualquer outro compromisso chato, é automático logo pegarmos o celular para olhar mensagens. Uma fuga vertiginosa da realidade. Essa modernidade eletrônica carrega, muitas facilidades, porém nos rouba tempo e prazeres de contemplar a natureza, incrementar nosso repertório de conversas e aumentar o conteúdo de novidades prazerosas em nossa memória ao absorvermos com o olhar atento o que se passa ao nosso redor no presente. As belas coisas que não brilham com a luz da telinha  e sim pelo acontecimento em si.

Sem dúvida temos ao alcance das mãos, num deslizar de dedos o mundo inteiro. As últimas notícias, dicionário, bancos, e-books, relógio, agenda, despertador, enfim... uma infinidade de utilidades.

Todavia, o celular é uma coisa eletrônica que não consegue nos dar o abraço e colo que vai acariciar nosso corpo e alma naqueles momentos complicados que passamos. Caricias e colo não vamos encontrar na telinha de um celular, mas se tem uma coisa que ele ajuda é marcar um encontro pra isso. Uma mensagem às vezes mata nossa saudade também.

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